segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Na noite de BH faxineira, jornalista e advogado se transformam em DJs


DJs são o coração de uma festa. Podem trazer ou afastar o público. Alguns criam, editam, produzem e mixam a própria música. Outros entendem o que a pista quer – selecionam faixas, sabem quando e como tocá-las – e têm dominado a balada em BH, especialmente na Savassi, cujas boates menores misturam, sem problemas, público hétero e LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Se você não se enquadra, não tem problema: esses espaços apostam na interação – quem quiser se divertir é bem-vindo.

Detalhe: nem sempre o grande DJ é a principal atração. Às vezes, uma pessoa querida, com bom gosto musical e que saiba brincar com a pista, pode fazer sucesso nas picapes. Tais “estrelas” não vivem de festa, mas do contracheque. Advogados, técnicos, jornalistas e faxineiras brilham na noite. Mudam de nome, sobem à cabine de som e incorporam o papel de disc-jóquei, ainda que só para apertar o play.

Da vassoura à picape

Neide Lima, de 35 anos, é sensação da night na Savassi. Conhecida no circuito LGBT como Neide Gaga, ela tem, literalmente, duas “personalidades” e quatro profissões: promoter de balada, DJ, faxineira e cozinheira. Detalhe: é mãe de quatro filhos.

Caso você não a conheça, vale a pena conferir a performance da moça em boates como Velvet Club, Up e.music e Mary in Hell. Lá, Neide é rainha.
Pernambucana de Garanhuns, ela mora em BH há 16 anos. Tem filhos de 15, 12 , 9 e 4. Para sustentar essa turma, Neide trabalha em dois empregos. De segunda a sexta-feira, das 6h às 18h30, é cozinheira da Junta Administrativa de Missões. De terça-feira a domingo, das 20h às 4h, faz faxina da Velvet Club. Quando ela dorme? “Na hora do almoço”, conta a pernambucana alto-astral. Sem reclamar.

A conterrânea do ex-presidente Lula virou DJ por acaso. “Certa vez, falaram que iam me colocar para tocar. Fui. Toquei a primeira vez no meu aniversário, em agosto do ano passado”, conta Neide. “Lá em cima, éramos eu, a minha chefe e o promotor da festa. Na verdade, só aperto o play. Quem escolhe o repertório são eles. Não tenho tempo para ficar gravando CD”, avisa.
Mas as funções de Gaga não acabam aí. “Danço, grito e agito. Talvez por isso eles gostem de me ver tocar. Enquanto trabalho, bebo e me jogo. As pessoas me perguntam se não tenho que trabalhar de manhã. Respondo que amanhã é outro dia.”

Além de agitadora oficial da pista, Neide é considerada promoter pela Velvet Club. “Ela divulga a casa mais do que qualquer outra pessoa com essa função. Chama os amigos e, às vezes, contribui até mais como divulgadora que com a limpeza”, conta Lorena Lisboa, assessora de imprensa da Velvet. “A festa de que ela mais gosta é a Caramelo, aos domingos. As pessoas vão lá para ver a Neide, conversar com ela”.

Quando chega ao lar, a DJ faxineira ainda arruma tempo para contar suas peripécias aos filhos. “Às vezes, coloco as músicas aqui em casa e eles gostam.” A preferida parece óbvia: “Na primeira vez que toquei, me produzi como Lady Gaga. Começou assim. Tanto que as pessoas me chamam de Neide Gaga”. Está explicado.

Fraude assumida

“Não sou DJ. Sou uma fraude”, brinca o DJ Dr. Jeff. “Não sei fazer mixagem. Minha sorte é que crio boas sequências e ponho sempre algo inusitado, tipo uma Kelly Key do nada”, diverte-se. Jeff vai do trash ao rock, passando por disco. No case (pasta onde se guardam CDs), ele carrega Gretchen, Wando, The Strokes e Madonna. Seu equipamento se resume a isso. “Baixo o MP3 e gravo CDs normais de áudio. Levo uns 80. Às vezes, o CD arranha e tenho de improvisar”, conta.

O nome artístico não é piada. Durante o dia, ele é mesmo doutor, o advogado Jeferson Baeta. Formado em 2005, trabalha em escritório e atende clientes particulares. Atua em todas as frentes, mas a maioria das causas está nas áreas de direito do consumidor e de família.

Em horário comercial, ele atende no escritório do Barro Preto. Jeferson usa terno e gravata, não importa se faz calor. Desde 2007, Jeff agita a night. “Brinco, danço na cabine, apronto, atendo pedidos. Acabo sendo o DJ simpático, sabe?”

O fã-clube de Jeff é fiel. Inclusive, a estrela leva gente junto. Um exemplo é Sandim: aos 20 anos, quase não tem idade para entrar nas boates, mas virou DJ (daqueles que só apertam o play). Desde novembro, fez oito festas.

Estudante do 7º período de jornalismo, acaba de deixar o estágio em uma empresa de aplicativos mobile para se dedicar à monografia sobre Woody Allen. Rafael Sandim, na noite, não é tão cult. Na pista, faz a galera se acabar com Lady Gaga e Beyoncè. “Ainda não sei mixar. Só ponho o som e agito. Sempre quis fazer isso e agora rolou a oportunidade. Virei residente.” E jura, em tom de brincadeira: “Sou bom”.

Sandim e Dr. Jeff ganham para tocar. É possível receber até R$ 600 em uma festa, dependendo da produção. Mas a grana não é garantida, por isso a dupla prefere investir no direito e no jornalismo.

Qualidade total

Durante o dia, Edson Luiz, formado em administração, trabalha em uma empresa que vende cursos para mecânicos. À noite, ele se transforma em DJ Ed, residente e produtor da @bsurda – festa que começou há um ano como brincadeira, deu certo e já rolou em Vitória e São Paulo. Em breve, deve chegar a Goiânia e Porto Alegre. Em BH, são três edições por ano.

DJ há três anos, Ed não é uma fraude. Fez curso de produção eletrônica com o DJ Tee –um dos produtores do Festival de Arte Digital (FAD) –, sabe compor e mixar. Ed lançou até EP com quatro faixas e prepara outro para o fim do ano. Recentemente, assumiu o cargo do coordenador de qualidade. Antes disso, o salário vinha da noite. “Toco na @bsurda, na Up, Café com Letras, Quina Galeria e em lojas, em inauguração ou lançamento de coleção”, lista Ed.

Ainda assim, ele prefere trabalhar (também) durante o dia. “É complicado largar o emprego fixo. Em certos meses, o dinheiro como DJ é muito bom e poderia largar tudo. Mas DJ não tem sindicato, organização profissional ou carteira assinada. Além disso, gosto de trabalhar em minha profissão”, diz o administrador de empresas.

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